O psicoterapeuta disse que sou hiperativo. A criação deste blog surgiu pouco depois de ser assim diagnosticado. Segundo o site especialista Hiperatividade (que já existia antes do meu blog, mas eu não sabia!), os portadores deste distúrbio são freqüentemente rotulados de "problemáticos", "desmotivados", "avoados", "malcriados", "indisciplinados", "irresponsáveis" ou, até mesmo, "pouco inteligentes". Mas garante que "criativo, trabalhador, energético, caloroso, inventivo, leal, sensível, confiante, divertido, observador, prático" são adjetivos que descrevem muito melhor essas pessoas. Eu, particularmente, creio que sou uma mistura disso tudo aí. Cheio de muitas idéias, muitos sonhos e muitos projetos. Muita vontade e muito trabalho. Muitas vertentes e muitas atividades. Sou editor-adjunto do Crônicas Cariocas. Não deixem de visitar minhas colunas: Cinematógrafo; Crônicas; Poesias; e HQs. Ah! Visitem o Magia Rubro Negra , site de apaixonados pelo Mengão, para o qual tive o prazer de ser convidado a fazer parte da especial equipe!!!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

A era do absurdo

A piada é um recurso humorístico que usamos no dia a dia para fazer graça e, constantemente, crítica, satirizando fatos cotidianos e, muitas vezes, políticos. Não deve, ou pelo menos não deveria, ser interpretada de forma literal, pois é preciso levar em conta que o humor utiliza o exagero e o absurdo para provocar o riso.

Vivemos, porém, um período complicado. O PT conseguiu nos deixar tão confusos que uma piada, mesmo construída com muito exagero e extrapolando o absurdo, suscita dúvidas se é fato ou chiste. Isso diz muito sobre o atual estado das coisas. Cremos que qualquer coisa ruim é possível ao passo que qualquer coisa boa é improvável. Perdemos a noção do limite do que é ou não nonsense em se tratando dos nossos políticos, sejam situação, sejam oposição.

Mais ainda, virou moda! Pois aqueles que se colocam contra o PT, bradando que defendem a moral e os bons costumes, utilizam-se das mesmas armas, como mentiras e manipulações, a acabam se tornando tão vilões quanto aqueles que antagonizam. A vilania é, assim, tão somente uma questão de perspectiva. Mesmo que usem argumentos válidos, fazem de maneira errada. Afirmam sem provar. Apenas criam bate-boca com o indigno intuito de manipular opiniões. É pouco. O pior? Estamos acostumados com esse pouco.

O que é piada? O que é verdade? O que é fato? O que é falácia? O que é manipulação? Fica difícil, hoje em dia, saber quem fala A verdade e quem faz uso de “verdades”, inventadas ou não. Isso diz tudo sobre nossa situação. Esperamos qualquer absurdo. Estamos tão confusos que não sabemos o que fazer ou a quem seguir e, assim, somos presas ainda mais fáceis.

Estou cansado de ouvir dizer que a culpa é nossa, que não sabemos votar. A culpa é nossa porque deixamos chegar onde chegou, sim. Mas não sabemos votar? Votar em quem? Não acredito mais no voto, uma vez que o sistema é viciado e corrupto. Não importa em quem você vota, o resultado é o mesmo. São todos iguais! Lulas, Fernandos, Aécios, Dilmas, Marinas, Malufs, Maias, Serras, Cabrais, Alkmins, Garotinhos, Pezões, Malafaias, Bolsonaros e tantos outros. Todos iguais, todos manipuladores. Não há direita ou esquerda, há politicagem. Como dizia Bezerra da Silva, “não sobra um, meu irmão!”. É só gritar!

Estamos presos a um sistema viciado que chamamos de Estado; que é lindo na teoria, mas, na prática, desprovido de ideologia, pois aqueles que “nos representam” preocupam-se apenas com o “vem a nós”. Ao vosso reino? Nada! Votam leis que os favorecem e nos deixam cada vez mais presos e impotentes. Jogam migalhas ao povão para comprar votos que os sustentam na mamata, enquanto a classe média sustenta essa farra. O problema é que essa classe está esfacelando, uma vez que abusaram demais de uma máquina outrora azeitada. Roubaram tanto que o dinheiro sumiu. O país hoje é classe alta, classe baixa e milhões de miseráveis.

Caminhamos a passos largos e acelerados a uma implosão social. Não há educação, não há saúde, não há segurança, não há previdência e, por conseguinte, não há futuro. A inflação começa a galopar, o desemprego cresce geometricamente, empresas estão quebrando, faculdades fechando, pessoas morrendo nos hospitais e nas ruas. E qual a solução do atual governo? Mais impostos e mais Estado. Mais? Como isso pode ser remotamente lógico? Como a causa pode ser solução?


E qual a solução? Com certeza, menos impostos e bem menos Estado. Menos Brasília e mais Brasil. Na verdade, a pergunta não é essa. Sabemos a solução, sabemos o que seria o ideal. A pergunta é: como fazer? Como fugir das amarras que os nossos legisladores meteram-nos? Parafraseando o Barão Vermelho, “declare guerra a quem finge te amar e chega de passar a mão na cabeça de quem te engana, rouba e sacaneia”. Não interessa quem votou na Dilma ou quem votou no Aécio. A merda está aí. Estamos cada vez mais atolados. Tenho a plena convicção que somente nós podemos fazer algo. Juntos. Falta-nos, porém, como povo, coragem e determinação para realmente mudarmos. Somos. afinal, os passivos do absurdo.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Festival do Rio - Dia 4

Cold in July
Meu quarto dia de Festival foi dia de um filme só.
Sou fã do Michael C. Hall, conhecido por seu grande trabalho em Dexter, desde os tempos de A Sete Palmos e foi por ele que decidi assistir a Cold in July.
Depois de matar acidentalmente um intruso desarmado, Richard Dane deve lidar com a raiva do pai da vítima. No entanto, Dane começa a suspeitar que o policial Ray Price pode estar escondendo informações sobre o caso, indicando seu envolvimento em algo muito mais complicado. Dane e o pai da vítima, então, unem forças para descobrir a verdade.
O começo da trama é interessante e promissor. A reviravolta que leva à união dos dois antagonistas é muito legal, uma grande ideia. A química dos personagens e dos atores é o que há de melhor. A adição de Don Johnson dá um tom divertido e irônico por conta de ser o bom picareta. Cada um dos três rouba o filme para si em determinados momentos sendo Sam Shepard o verdadeiro nome da película.
O filme é ambientado no fim dos anos 80 e a arte do filme surpreende. Tudo muito bem aproveitado, inclusive as antigas fitas VHS que se tornam objeto importante da trama. Figurino, trilha sonora e montagem dão show também.
O único senão para mim é a motivação da personagem do Michael C. Hall: ele se aprofunda na história porque quer saber quem matou e isso acaba esquecido ao fim da exibição e ele, estranhamente, não se importa com isso nem um pouco. Ainda assim, gostei do que vi.
Nota 8

Festival do Rio - Dia 3

Qual é seu trabalho, papai?
Meu terceiro dia de Festival começou mal.
Não curto o cinema francês. Para ser sincero, não curto nem a língua. Mas sempre tento me surpreender e sempre assisto a um filme da França para tentar modificar minha opinião. Ainda não foi dessa vez.
Qual é seu trabalho, papai? conta a história do cienasta Hervé, que no meio da produção de seu novo filme pornô, percebe que seu filho pequeno está começando a andar. Nesse momento, sua companheira diz que ele precisa tomar uma decisão: ou continuar sua vida na pornografia ou se tornar uma figura paterna respeitável.
Uma ceninha engraçada aqui, outra ceninha engraçada ali e mais nada. O cara entra em crise por ser pai de duas crianças depois dos 40 anos. Causa estranhamento que essa crise só venha com o segundo filho. Enfim.
Nota 2

Mais sombrio que a meia-noite
O segundo filme foi mais interessante, ainda que não me tenha conquistado. Recebemos a visita do diretor italiano, Sebastiano Riso, que nos contou que só para escolher o protagonista foram milhares de testes e dois anos de trabalho. Valeu a pena, ele encontrou a figura frágil e de feições femininas que a personagem exigia na figura do ator Davide Capone.
O filme conta a trajetória de Davide, um garoto de 14 anos com feições bem femininas. Atormentado e reprimido pelo pai, ele decide fugir de casa e acaba por se juntar a um grupo de meninos que se reúne em busca de clientes e diversão em Villa Bellini, um parque da região da Catânia.
No início, ele se vê livre e aceito. Aos poucos, porém, as dificuldades e a crueldade da vida vão mostrando de forma dura o que é a realidade, destruindo sua inocência no processo.
O filme, sem dúvida, faz pensar passeando por temas como homossexualismo, exploração de menores, prostituição, pedofilia, conceito de família, intolerância, etc..
Vale o ingresso.
Nota 7

Annabelle
O terceiro filme foi o que mais gostei. Sempre fui fã do gênero terror e fazia tempo que não via algo que me agradasse. Não que seja uma obra-prima, pelo contrário, é recheado de clichês, mas cumpre bem o seu papel: assusta!
O filme conta a história de Annabelle, personagem que fez sucesso no filme Invocação do Mal, sendo um prelúdio. O filme é baseado em fatos reais: uma mãe, nos anos 70, deu de presente para sua filha uma boneca que se mexia sozinha e era possuída por um espírito. A boneca existe e está trancada em um museu em Connecticut, sendo visitada somente por um padre que vai abençoá-la duas vezes por mês.
A produção faz excelente uso da trilha sonora, da fotografia e do jogo de câmera, elementos importantes do gênero, para criar os momentos de tensão e os sustos, que muitas vezes ocorrem quando menos esperamos, o que é muito legal. Há os sustos fáceis, claro, mas mesmo eles divertem.
O grande barato de Annabelle é que nos remete aos filmes de terror clássicos, sem descambar para o terrir, coisa que eu detesto. Baseia-se menos em sangue e muito mais em tensão e medo.
Enfim, gostei muito!
Nota 8

Festival do Rio - Dia 2

The Goob
O primeiro filme do meu segundo dia de Festival conta a história de Goob Taylor, um garoto de 16 anos que se vê em uma família oprimida pelo novo marido de sua mãe, Gene, um tremendo canalha mulherengo que explora a família com mão de ferro.
E é isso. Cria-se um clima onde você espera que algo aconteça: ou que Gene faça algo além dos limites ou que Goob tome alguma atitude. Personagens entram e saem da história e simplesmente nada muda.
Alguma cenas geram risos, outras comovem e... mais nada. Chato como uma peça de Tchékhov.
Nota 3

Vietnã: batendo em retirada
Segundo filme da minha segunda noite. Mais um documentário. Esse, porém, sem surpresa agradável.
Depois do acordo de paz entre os Vietnãs do Norte e do Sul, o escândalo de Watergate, que culminou com a renúncia de Richard Nixon, acaba tendo um efeito inesperado. A ausência do louco Nixon animou os vietnamitas do norte a desrespeitarem o acordo e invadirem o Vietnã do Sul.
A pressão torna-se insuportável. Civis, em pânico, tentam sobreviver fugindo da cidade. Soldados e Diplomatas estadunidenses vivem um dilema: obecem as ordens da Casa Branca e deixam o local ou ajudam a salvar a vida dos cidadãos vietnamitas.
Há muita informação interessante no documentário. Coisas que eu não fazia a menor ideia, que não devem ser novidade para os fãs de história e de guerra, mas que devem impressionar aos leigos como eu.
O problema é o ritmo que torna a jornada pesada e, por vezes, sonolenta. O filme narra os acontecimentos de maneira cansativa. São apenas noventa e oito minutos, mas parecem bem mais.
Vale pelo conteúdo.
Nota 5

Festival do Rio - Dia 1

Meu primeiro dia
Como sempre, não é possível, para mim, assistir à quantidade de filmes que gostaria no Festival do Rio. Só poderei ver filmes à noite e apenas em alguns dias, o que limitou minhas opções e escolhas. Hoje, segunda-feira, dia 29/09/2014, foi o meu primeiro dia e assisti a dois filmes.
Documentários nunca foram a minha praia, mas era o que tinha para hoje... e dois de uma vez!!! Vamos lá:

112 Casamentos
O primeiro filme a que assisti foi um belo começo. O documentarista Doug Block, para ganhar dinheiro, fazia, em paralelo aos seus documentários, vídeos de casamento. Vinte anos e mais de cem casamentos depois, resolveu revisitar seus casais preferidos e descobrir como estão.
Para ser sincero, adorei o filme. Nunca havia parado para pensar em como o “cara que faz a filmagem” tem acesso, tão de perto, a essas emoções especiais em um momento tão importante da vida de um casal. Ele realmente vivenciou momentos ímpares na vida de inúmeras pessoas, tornando-se a pessoa mais próxima e íntima durante um curto espaço de tempo.
Além de nos brindar com esses momentos mágicos de festa e felicidade, ele contrasta com a realidade da vida. Alguns deles bem comuns, com uma separação aqui ou um casal que vive bem com seus filhos ali. Mas há figuras preciosas também. Experiências que nos fazem pensar o quanto a vida pode ser imprevisível, mas também recompensadora.
Seus noventa e cinco minutos valem a pena.
Nota 8,5

Espetáculo: O julgamento de Pamela Smart
Segundo filme da primeira noite. Só posso dizer uma coisa: comecei bem o festival. Dois documentários e me surpreendi com ambos.
Espetáculo versa sobre o primeiro julgamento a ser totalmente televisionado, tornando-se o precursor dos reality shows. Um caso marcado pela dúvida, mas executado e finalizado como se fosse certeza.
O documentarista Jeremiah Zagar conta-nos a história de Pamela Smart, uma mulher que foi acusada de matar o marido com a ajuda de um adolescente de 16 anos, seu amante. Ela, ainda hoje, alega inocência.
A montagem é primorosa, intercalando cenas da época, cenas atuais e algumas cenas dos dois filmes que se inspiraram na história, dando um ritmo agradável aos seus cento e dois minutos. Desse modo, o documentário apresenta os fatos e os argumentos de maneira aprofundada, levantando questões sérias sobre o caso. Há indícios que condenam Pamela Smart, mas há muitos que a inocentam.
Senti que o documentário colocou-me na posição de jurado, o que foi muito legal, mas não consegui chegar a uma posição definitiva sobre o caso. Creio que a intenção de Zagar não fosse concluir se ela é culpada ou inocente, mas mostrar que ela foi mal condenada e que tem direito à apelação, pois há aqui a tão famosa reasonable doubt ou, traduzindo, dúvida razoável.
Gostei!
Nota 8

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Solo


A vista lateral dá para a baía da Guanabara. É um daqueles prédios antigos, mas bem conservados, do Largo do Machado. A varanda, estilo antigo, é toda de alvenaria. O vento bate no rosto do menino Bruno. Seus olhos molhados e vermelhos são prova de que havia chorado bastante pouco antes. O pré-adolescente, vestindo o uniforme da escola, caminha em direção ao parapeito, trazendo em uma das mãos uma revista e uma folha de papel. Ele coloca a revista no parapeito, sobre ela a folha de papel. Pega uma pedra de um dos vasos de planta e coloca como peso de papel sobre a revista e a folha. Ele começa a subir no parapeito apoiando-se em um dos muitos vasos de planta largos e pesados. O vaso falseia, ele balança, mas consegue subir. Fica em pé, de frente para a rua, fecha os olhos e abre os braços.

A escola ocupa quase um quarteirão. Grande, tradicional e particular. O pátio recebe as turmas do sexto ao nono ano do ensino fundamental para a hora do recreio. Abílio, um menino de catorze anos que sofre de uma pequena deficiência mental, aparece. Ele está de uniforme como todos, mas chama a atenção pela antiga mochila de couro pendurada nas costas, a antiga lancheira de couro a tiracolo, um guarda-chuva embaixo do braço, embora esteja um dia de sol e sem o menor indício de chuva, pelos óculos “fundo de garrafa” e pelo gibi que carrega na mão. Senta-se ereto num canto do pátio e, de forma metódica, coloca o guarda-chuva do seu lado direito e o gibi sobre ele, retira a lancheira do pescoço e a coloca do seu lado esquerdo. Após abri-la, retira um pano e forra o chão à sua frente. Pega uma garrafa de suco e a coloca no canto direito do pano, uma maçã no canto esquerdo e um sanduíche, embalado com papel alumínio, no centro. Verifica rapidamente se tudo está em ordem, desembrulha o sanduíche e começa a comer.

Do outro lado do pátio, Bruno está com mais quatro colegas: Vitor, Julio, César e João.

- Trouxe a parada? – pergunta Julio.

Bruno mostra em suas mãos uma bomba de fogos de artifício, conhecida como “malvina”. Julio assente e exclama:

- Beleza!

João, inseguro, pergunta:

- Mas ele vai mesmo?

- Pô! Ele vai todo dia, né? – responde Bruno

Vitor, ansioso, com um sorriso no rosto, quer saber:

- Como tu vai fazer?

- Vou esperar ele entrar e depois vou lá. Boto a parada e volto.

- Maneiro! Aí é só esperar o mané correr pelado pelo pátio.

Abílio guarda metodicamente a garrafa e o pano, enrola os restos da maçã no papel alumínio. Levanta-se, coloca a lancheira a tiracolo, pega o guarda-chuva e o gibi, joga os restos no lixo e começa a caminhar. Passa pelo grupo de Bruno e seus amigos, com receio, mas arrisca um sorriso e um cumprimento a Bruno, que responde com um olhar firme, um quase imperceptível sorriso e um leve movimento de cabeça. Abílio abre um grande sorriso.

Cesar, percebendo, provocador que é, atiça:

- Ih! Olha lá! O lesado é teu fã, aí!

Vitor aproveita:

- É mesmo! – e, com a voz afetada, provoca ainda mais – Meu herói!

Bruno, sem graça, mas sem querer perder a pose com os amigos, retruca:

- Qual é, mané? Para com isso!

Abílio volta à sua condição de menino fechado e dirige-se aos banheiros no fundo do pátio. Ato contínuo, Cesar dispara:

- Aí! Já é! Vai lá, Bruno!

Bruno observa a movimentação do menino e começa a segui-lo. Abílio chega à entrada, olha para um lado e para outro, desconfiado, e entra no banheiro masculino. Ele abre uma das cabines contíguas e entra. Coloca a mochila no chão, ao lado dela a lancheira e o guarda-chuva pendurado na maçaneta da porta. Abaixa as calças, senta-se no vaso sanitário, pega uma caneta na mochila, abre o gibi sobre suas pernas e começa sua leitura. Bruno entra no banheiro, observa em que cabine está o menino e se direciona à cabine ao lado. Acende a “malvina”, rola-a pelo vão entre uma cabine e outra. A “malvina” para atrás do vaso de Abílio e Bruno sai correndo do banheiro.

Bruno, junto aos quatro companheiros, escuta o barulho da explosão e aguarda a reação de Abílio. Algum tempo passa, meio minuto, nenhum grito e nenhuma ação. Um pouco de fumaça sai do banheiro.

- Cadê o cara? – Bruno pergunta assustado, mais para si que para seus companheiros.

Um inspetor, que escutou o barulho, surge correndo e entra no banheiro. Em seguida, sai correndo e transtornado.

- O que será que houve? – Pergunta João, com medo em sua voz.

Bruno olha para ele e responde:

- Sei lá! Acho que vou lá!

- Tá maluco? – Pergunta Julio.

- Droga! Tamos fu! – Exclama Vitor, sem o menor atrevimento de antes.

- Vou lá! – Bruno diz e vai.

Bruno entra, seguido de mais alguns curiosos, há muita fumaça. Ele se aproxima da cabine do Abílio e vê que a porta está aberta para fora. Atrás da porta, está Abílio caído no chão: Bruno vê apenas sua mão estendida para além da porta. Ele caminha e, bem perto da porta, sente que pisou em algo, involuntariamente se abaixa e pega o gibi que Abílio estava lendo. Logo em seguida, entram no banheiro o inspetor e o diretor da escola.

- Saiam todos! Vão para suas salas! – diz o diretor.

- Vocês ouviram, meninos! Saiam, agora! – complementa o inspetor.

Os meninos saem e eles se aproximam da cabine. O diretor olha para o inspetor com tristeza, saca um celular, digita um número e aguarda atendimento.

A sala de aula ostenta um silêncio tão assustador quanto incomum. As crianças estão em choque pelo acontecido. Bruno está cabisbaixo, atrás da carteira, como se olhasse para o chão. Uma orientadora, pesarosa e com os olhos injetados, chega à porta e chama a atenção da turma. Ele levanta a cabeça, assustado.

- Atenção, turma! Infelizmente, nosso aluno Abílio sofreu um acidente. Ele... – ela hesita – ainda estamos apurando o que aconteceu, mas vamos liberá-los mais cedo hoje.

Uma aluna levanta-se e pergunta:

- Ele morreu mesmo?

- Ele... sim... infelizmente sim. Ele está com Deus agora.

Outra aluna levanta-se.

- Que que aconteceu?

- Gente, ainda não sabemos... achamos que foi o coração, mas não temos certeza.

Ela limpa os olhos com a mão direita, recompõe-se e começa a entregar a cada um dos alunos uma folha de papel.
- Isto é um informativo aos responsáveis de vocês. Tragam de volta assinado por um deles, ok?

Bruno abaixa a cabeça novamente. Não está olhando para o chão, mas, sim, para o gibi que segura com as duas mãos.

Bruno está saindo do colégio. Para, no portão, olha para o gibi em suas mãos e seus olhos marejam. Passa pelo portão e começa a caminhar na rua. Atrás dele, uma ambulância do corpo de bombeiros está chegando à escola.

Bruno caminha na rua, passa em frente ao Palácio do Catete e chega a uma lanchonete de uma conhecida rede de fastfood. Ele para, observa o movimento e resolve entrar. Entra numa das filas. Há muito falatório e risos. O ambiente é alegre. Ele olha para o gibi e, sem pedir nada, sai da fila e vai para uma mesa. Senta-se e fica olhando para o gibi. Atrás da sua mesa, algumas meninas lancham e conversam animadas. Bruno levanta a cabeça, olhos marejados fitando o nada. Ele respira fundo, levanta e caminha em direção à saída. Sai da lanchonete e anda pela calçada, quando se dá conta, chega à entrada do seu prédio. Para e olha para cima. Respira fundo, sobe as escadas e entra.

Bruno está parado de frente para a porta do apartamento. Nela, o número 702. Ele caminha em direção à porta, pega a maçaneta e gira. Ao entrar, encontra seus pais discutindo.

- Não dá! Assim, não dá! Larga do meu pé.

- Não posso! Daqui a pouco vão cortar a luz! Isto é vergonhoso!

- Eu estou desempregado, porra! Ainda não caiu a ficha, não?

- Pai?

O menino chega perto do pai e entrega o bilhete da escola. Mal ele lê, explode em gritos.

- Foi você não foi?

- Eu... eu...

- É claro que foi!

A mãe, protetora, pergunta:

- O que houve?

O pai entrega o informativo à mãe. Ela começa a ler, mas ele não a espera terminar.

- Olha aí o que houve! É por isso que ligaram chamando a gente.

- Não o acuse sem saber.

- Sem saber? Sem saber? O colégio nos chamou para ir lá pra quê? É claro que foi ele. Ele vive se metendo em confusão.

- Ainda assim...

- Ainda assim é o caralho! Toda vez que tem um problema, esse moleque tá envolvido.

A mãe termina de ler o bilhete, leva a mão à boca e, diz, assustada:

- O menino... o menino...

- Pois é, o garoto morreu.... provavelmente  por causa de uma brincadeira de mau gosto como as que o seu filho vive aprontando.

Bruno não aguenta mais e explode:

- Você não sabe de nada! Não está nem aí para saber de nada! Não enche o saco!

O pai dá um tapa em seu rosto e grita:

- Eu tô cansado disso!

A mãe, indignada, retruca:

- Disso o quê?

- Disso... disso... desta vida... o que que eu tô fazendo aqui...

- Por que não vai embora então?

A discussão volta a ser entre os dois, como se o garoto não estivesse ali. Bruno sente-se um nada, uma coisa insignificante. Corre para o quarto e bate a porta.

Bruno senta em sua cama, com olhar sentido. Ele pega o gibi de Abílio e vê em suas mãos uma edição antiga e bem usada da revista do Superman. Bruno abre a revista e começa a folheá-la. Nota que Abílio, em algumas páginas, fazia anotações: abaixo da figura de cada personagem, escrevia um nome. Lois Lane tinha o nome de Ângela sob seus pés; Lex Luthor, o nome de Vitor. Na última página, em que o Superman está dizendo a Jimmy Olsen que este é o seu melhor amigo, o nome Abílio está escrito sob os pés de Jimmy, e o nome Bruno sob as botas vermelhas do Superman. Bruno fecha a revista e abaixa a cabeça. Tenta lutar contra a vontade de chorar. Levanta a cabeça, chorando, um choro contido e triste que se transforma em uma expressão de dor seguida de raiva. E então o choro torna-se uma torrente. Ele se levanta e olha para as portas da varanda. Pega o bilhete informativo da escola, uma caneta e escreve algo.

Os pais de Bruno ainda estão discutindo quando escutam um som surdo de impacto vindo de fora e um alarme de carro disparando. Eles se assustam e param de discutir.

- O que foi isso? – pergunta a mãe.

O interfone toca. O tempo para. O interfone insiste. Pai e mãe parecem estátuas. O rosto dela começa a ir do susto ao desespero. A urgência cresce e o tempo volta a andar. Ela corre para o quarto, o marido a segue. Percebem que Bruno não está lá dentro. Olham para as portas abertas da varanda. O pai senta na cama completamente derrotado. A mãe corre para a varanda.

A mãe debruça-se no parapeito, olha para baixo e grita. Ao seu lado, no parapeito, resistindo ao vento, uma folha de papel sob uma pedra e sobre um gibi. Neste papel, escrito em letras trêmulas, o texto: “Abílio, eu não soube voar. Me desculpa.”. A pedra, por fim, não resiste ao vento e a folha voa.

FIM

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

DEPOIMENTOS: 5. Tito


A proximidade dos quarenta anos tem me deixado nostálgico, buscando lembranças dos “bons tempos”. Aqueles em que não me preocupava com as contas a pagar, em que me sentia invencível e eterno e em que o mundo era muito mais simples: sexo, drogas e rock and roll, mesmo que minhas drogas fossem o álcool e a nicotina do hoje maldito cigarro. Eu era feliz e não sabia.

Com a nostalgia, não sei o porquê, veio a autoavaliação. Descobri-me meu maior crítico (“Se for falar mal de mim, chame-me! Sei coisas terríveis a meu respeito.”)! As verdades que descobri de mim mesmo deixam-me envergonhado e triste. Com isso, vem uma solidão enorme, um vazio maior ainda, uma necessidade incomensurável de mudanças e a estúpida constatação de que não tenho a menor ideia de como mudar coisa alguma.

Hoje, acordei desanimado. Uma dor no ombro direito que me incomoda há dias, mas que resolveu se fazer mais presente nessa madrugada e me acompanhar durante o dia. Entrei no táxi para ir para o trabalho e, ao ligar o tablet, escutei: “Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu.”, da música “Roda Viva”, do tricolor Chico Buarque. Sorri, um sorriso besta, e pensei comigo mesmo há quanto tempo venho me sentindo assim. Nem sei mais dizer.

A psicóloga do meu filho diz-me que tenho que valorizar menos as coisas ruins e devo encontrar aquilo que me faz feliz. Mulher inteligente. Gosto dela e gosto de conversar com ela, mas não consigo fazer o que diz e que, da maneira que fala, parece tão fácil. Nessas horas, sinto-me burro, incapaz e impotente. Queria ser tão capaz e tão inteligente quanto as pessoas acham que eu sou. Aliás, sempre penso que estou desapontando os outros por conta disso.

Quarenta anos e, ao olhar para trás, não vejo nada que preste além dos meus filhos.  O que fiz durante esse tempo? O que construí? O que realizei? O que é digno de nota e de orgulho? Sinto que minha vida é uma imensa perda de tempo, que tudo que eu fiz e faço vale nada e que não represento diferença alguma. Sei que algumas pessoas gostam de mim e que outras me amam. Sei disso. O que sinto é que não faria falta em suas vidas, a menor diferença se estivesse ali ou não. Mesmo para meus filhos, que amo mais que tudo e todos, não sei se sou realmente necessário, se sou uma figura paterna relevante ou apenas um provedor de recursos. Sei que não faz sentido, mas, mais uma vez, é como me sinto.

Não são apenas os filhos. O que represento para meus pais? Para meus irmãos? Para meus parentes? Para meus amigos, próximos e distantes? Para as mulheres que passaram pela minha vida? Será que essas pessoas lembram-se de mim por coisas boas ou apenas pelas muitas falhas? Será que se lembram com carinho ou com ódio? Com simpatia ou rancor? Fui machucado pelo caminho, mas tenho minhas dúvidas se não magoei muito mais que sofri. Por que diabos sinto tanta culpa?

Desde que me separei, há dois anos e meio, foram inúmeros relacionamentos, em sua grande maioria, fúteis e vazios. Na minha ânsia de “voltar ao mundo”, como se estar casado fosse uma prisão – que não é –, machuquei muita gente que não merecia. Pessoas boas que magoei, não intencionalmente, mas que se machucaram mesmo assim. Também encontrei algumas que me decepcionaram, mas que, sendo sincero, não me magoaram porque, na verdade, eu não me importava com elas. Foram apenas pessoas com as quais dormi, mesmo que eu tenha tentado me convencer que me relacionava ou namorava.

Não sei se é essa incapacidade de sentir algo que tem me feito sentir como tenho me sentido. Essa sensação de coração vazio, quebrado e inutilizado. Acredito que sim, mas também creio estar errado. A verdade é que eu não sei. Só tenho dúvidas, nenhuma certeza além daquela com a qual nasci: um dia terei realmente partido, morrido. Apenas não sei quando, mas também não faço a menor questão de saber.

O que eu faço para ganhar a vida é honesto, mas é algo que detesto fazer, ainda mais com determinadas pessoas que tornam tudo mais difícil com suas picuinhas e seus egos inflados. É, porém, o que me dá sustento e me permite dar um mínimo de educação e proteção de saúde aos meus filhos. Também é, infelizmente, o que me prende. Não posso me dedicar ao que gosto, que acredito que me dará um futuro melhor, porque preciso do pouco dinheiro que o detestável garante. Assim, vou me consumindo nesse inferno.

“Roda viva, roda gigante”. Como o brinquedo do parque, roda, roda, mas não sai do lugar. É como remar contra a maré. Estou cansado. Não desisti, mas estou cansado. Tanto que não tenho conseguido fazer nem aquilo que gosto: escrever, criar histórias, literatura e cinema. Olhei para a tela e resolvi digitar o que saísse da mente. Resultado: consigo escrever, mas não o que me importa, apenas este desabafo que mais parece coisa de um maníaco depressivo e suicida.

Depois de quarenta anos, com a convicção que, pela média, tenho aproximadamente mais quarenta, só resta um caminho a seguir. Buscar forças em mim mesmo para mudar o panorama, para tentar de novo, para preencher os espaços vazios, para criar, para fazer diferença, para deixar, pelo menos, uma pequena marca, para não apenas passar pela vida.

Sou feito de cacos, mas não estou quebrado. Sou uma leva de cacos, juntados num monte. Pequenos pedaços variados de mim mesmo. Com pensamentos conflitantes, algumas vezes aleatórios, outras, contundentes. Só sei que meus eus são inúmeros, mais que trezentos, e nunca bastam. Hei de seguir acreditando, tendo esperança em mim mesmo e crendo com todas as forças que amar não é o mesmo que sofrer, que amei muito, que amarei de novo, que realizarei meus sonhos e que o coração não ficará vazio para sempre. Que venham mais quarenta anos, pois é tempo de me reinventar!