O psicoterapeuta disse que sou hiperativo. A criação deste blog surgiu pouco depois de ser assim diagnosticado. Segundo o site especialista Hiperatividade (que já existia antes do meu blog, mas eu não sabia!), os portadores deste distúrbio são freqüentemente rotulados de "problemáticos", "desmotivados", "avoados", "malcriados", "indisciplinados", "irresponsáveis" ou, até mesmo, "pouco inteligentes". Mas garante que "criativo, trabalhador, energético, caloroso, inventivo, leal, sensível, confiante, divertido, observador, prático" são adjetivos que descrevem muito melhor essas pessoas. Eu, particularmente, creio que sou uma mistura disso tudo aí. Cheio de muitas idéias, muitos sonhos e muitos projetos. Muita vontade e muito trabalho. Muitas vertentes e muitas atividades. Sou editor-adjunto do Crônicas Cariocas. Não deixem de visitar minhas colunas: Cinematógrafo; Crônicas; Poesias; e HQs. Ah! Visitem o Magia Rubro Negra , site de apaixonados pelo Mengão, para o qual tive o prazer de ser convidado a fazer parte da especial equipe!!!

terça-feira, 27 de julho de 2010

Espetáculo de máscaras balinesas marca a estréia do novíssimo grupo Cutelaria de Teatro com direção de Gustavo Damasceno

A estréia é dupla. Primeira peça de um novíssimo grupo. A Cutelaria de teatro é formada por ex-integrantes do prestigiado grupo AMOK e traz à cena em seu primeiro espetáculo, “Sr. Fox”, uma lenda inglesa retirada do livro 103 contos de fadas, de Ângela Carter, que flerta com o rico universo dos contos de fada e estréia no dia 24 de julho no teatro do Jóckey. Encenada por quatro atores “Sr. Fox” traz à cena a máscara balinesa, uma das fontes de pesquisa do grupo. Os personagens lendários e seus dilemas morais característicos nos espetáculos com máscara de Bali foram inseridos na trama ocidental criando uma instigante fusão ocidente-oriente. “Os elementos do teatro balinês acentuam o caráter fantástico desta terrível e divertida fábula de mistério”, explica o diretor Gustavo Damasceno. Mas o grupo deixa claro que a peça não é infantil. “A idéia é buscar uma linguagem própria no fazer teatral a fim de oferecer a vivência do conto de fadas para um público adulto, além de uma visão contemporânea do uso da máscara”, garante a Cutelaria de Teatro.

Para realizar o espetáculo, os integrantes beberam direto da fonte. A atriz Ludmila Wischansky estudou em Bali, na Indonésia e trouxe para o espetáculo “Sr. Fox” máscaras confeccionadas artesanalmente pelos mestres balineses, uma técnica ancestral e sagrada de confecção. 
“As máscaras balinesas permitem ao ator uma linguagem expressiva diversa. Ela potencializa a energia do ator modificando seu corpo e sua voz e ativando o imaginário do espectador”, explica Ludmila.

Sinopse:
As desventuras de Lady Mary, uma nobre e linda donzela, que escolhe para casar um misterioso e sedutor senhor, o Sr. Fox. Mas antes do casamento se concretizar ela descobre que as coisas não são o que parecem e muitas vezes o “lobo mau vem vestido em garbosas peles de cordeiro”.

Ficha Técnica:
Direção e Dramaturgia: Gustavo Damasceno
Cenário: Claudiney Barino
Figurino: Marcelo Marques
Iluminação: José Michilis
Trilha Sonora: Carlos Bernardo
Elenco: Ricardo Damasceno, Ludmila Wischansky, Fernando Lopes e Breno Primo de Melo

Serviço:
Sr. Fox
Temporada de 24 de julho a 29 de agosto
Teatro do Jóckey
Av. Bartolomeu Mitre, 1.110 - Gávea
Telefone: 2540-9853
Capacidade de Público: 150 lugares
Sábados e domingos às 18h30m
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia)
Tempo de Duração: 80 minutos
Não recomendado para menores de 14 anos

domingo, 25 de julho de 2010

Depoimentos: 4. SG



O que eu perdi? Por que sinto que falta algo em mim? É um vazio, uma coisa que não se mensura, mas que às vezes chega a ser tão grande que assusta. O pior é que isso me fragiliza; qualquer filme mais forte deixa-me com olhos marejados. Não sei explicar, é como se tocasse em algo que eu não sei que está ali. Será que estou ficando depressivo?

Não importa meu nome. Qualquer um poderia contar o que vou contar. Não importa a minha idade. Não há uma certa para amar, desiludir-se ou, até mesmo, morrer. Isto não é um depoimento. Em verdade, é mais. Um desabafo e uma despedida. Estou dizendo adeus a este eu; ele morreu. Vida longa ao novo eu.

Não sei bem por onde começar. Talvez contando que fui um rebelde aos olhos de meu pai. Um revoltado que nunca roubou, que nunca fumou maconha, cheirou cola ou cocaína. Nunca, sequer, foi preso por vadiagem, briga ou outro motivo torpe. Um rebelde sem justificativa, sem causa e sem conseqüência.

Quem sabe possa contar sobre a minha adolescência, pulada por causa da conturbada relação de meus pais, na qual fui inserido e da qual demorei a conseguir sair? Aos onze anos, menino ainda, a bomba da traição foi jogada na minha cabeça e ela sempre explodia. Sempre cri que foi ali que fiquei adulto. Aos treze, só queria saber de sexo. Deus sabe quantas mulheres magoei e que só depois de muito tempo senti algum remorso, mas nunca pude desfazer o que fiz e nem mesmo pedir desculpas porque não tenho mais contato algum e de algumas nem mesmo me lembro.

Posso contar do primeiro amor, aos dezesseis, e da primeira decepção, aos dezoito, que fez de mim um verdadeiro canalha para as mulheres. Não queria mais saber de compromisso, mas dizia qualquer coisa para atingir meu objetivo. Logo depois, descartava-as porque a novidade já tinha passado. Era gostoso conquistar, usar e jogar fora. Não percebia, naquela época, que poderia estar magoando alguém para a vida inteira.

Posso falar do segundo amor e do quanto lutei contra ele, a ponto de quase perdê-lo. Foi necessária uma reconquista depois do descarte, da auto-análise e da aceitação de que a amava.

Que tal as faculdades começadas e não terminadas? As experiências profissionais frustrantes. As pancadas financeiras que a vida dá quando não se espera. As lições amargas que aprendemos e as decepções que temos quando confiamos plenamente em alguém. A sensação de que o tempo passou e que nada do que você fez valeu a pena.

Também posso falar em casamento, no quanto é difícil estar casado. Você se força a mudar, a ser o homem que ela quer que você seja. Fiel, responsável, trabalhador, amante, amigo e domado. Sim, você passa a ser dela. O ciúme é uma faca com um fio muitíssimo afiado. Nada do que você faz está certo e tudo vira uma briga que nunca acaba, apenas se acumula para a próxima briga. Não que não tenha seus momentos. De fato, há grandiosos momentos. Mas, de repente, você percebe que não sabe para onde a balança está pendendo. Tantos problemas, tantas reclamações, tanta rotina e tão menos troca de amor.

Há ainda as brigas familiares. Pais, filhos, irmãos, sogros, cunhados, tios, sobrinhos, primos e afins. Sempre há algum problema e você nunca entende o porquê de ser assim. Por que não se pode conviver em paz, sem tanta mesquinharia, hipocrisia e falsidade?

Aí, você chega a um ponto em que sonhar é fácil, mas realizar os sonhos é cada vez mais difícil. Você está cercado por todos os lados. Cansado da vida e cansado de ser quem é. Você acha que tudo poderia ter sido diferente se tivesse feito alguma coisa diferente. Entretanto, a grande verdade é que você não pode e nunca vai descobrir se realmente seria assim. São muitos “se”, mas nenhuma certeza de coisa alguma.

Você chega à conclusão que precisa mudar, mas como? E as suas responsabilidades e os seus compromissos? Mulher, filhos, casa, contas e despesas do lar. O que fazer? Esta é a grande questão: o que fazer?

Você não tem uma resposta para isso e segue sua vida cada vez mais frustrado, cada vez mais impaciente, irritado, cansado e agressivo. Tem vontade, mas não consegue chorar. A pressão aumenta, o coração reclama, a cabeça dói e o corpo suporta. Mas e a mente? Será que agüenta?

Hoje, quero morrer. Não. Quero matar este eu frustrado, de sonhos não realizados, de pesos mal pesados numa balança mal aferida, de felicidade duvidosa, de fidelidade mal digerida e de amor grande, porém cego e impotente. Este sonhador de sonhos não realizados e que tem medo de conseguir o que quer.

O que eu perdi? Não sei! Mas quero muito achar. Quem é este novo eu que quer desafiar tudo e todos, que quer um novo começo sem descartar aquilo que não pode e nem deve descartar, que não está nem aí se gostarão ou não, que quer preencher o vazio que existe em si e que não medirá esforços para conseguir o que quer? Não sei! Estou apenas começando a conhecê-lo. Será uma nova e grande jornada!

Quadrinhos e Cinema





Cinema é feito de quadrinhos em movimento. Até a sarjeta, espaço que fica entre um quadrinho e outro, está presente no cinema e exige do espectador uma conclusão, ou seja, um preenchimento mental deste espaço entre os quadros, construindo mentalmente uma realidade unificada. Nos filmes, porém, esta conclusão acontece de forma contínua, vinte e quatro vezes por segundo, que é o número de quadros que se sucedem em cada segundo de um filme. Nossas mentes transformam uma série de imagens paradas numa história em movimento contínuo. A diferença básica está na justaposição. Enquanto nos quadrinhos cada quadro ocupa um espaço adjacente, justaposto, no filme, cada um é projetado no mesmo espaço, a tela. O espaço é para os quadrinhos o que o tempo é para o filme.
Outra diferença básica está no tipo de linguagem. Ambas as artes são essencialmente narrativas, mas a dos quadrinhos é verbo-visual, já a do cinema é áudio-visual, não necessita de balões e onomatopéias, o que não quer dizer que, por vezes, não faça uso deles. O som dá ao cinema recursos que a nona arte não possui, recursos que ela tenta criar de forma diferente. A sétima arte usa o áudio de diversas formas, para ocupar o lugar dos balões, por meio dos diálogos, para emocionar, por meio da música ou pela ausência de, para ambientar o espectador, por meio de sons e ruídos, entre outras.
O cartunista curitibano Edson Tako X, um dos criadores do personagem O Gralha, em entrevista ao site O Gralha, comentando como foi a sua transição da nona arte para a sétima arte – ele fez uma adaptação dos seus quadrinhos –, explica que Cinema é ilusão. É você mostrar apenas uma parte da realidade e fazer o espectador preencher o resto com a imaginação dele. Neste aspecto é muito parecido com os quadrinhos que também usam de fragmentos da realidade para contar uma história. E com uma diferença básica: enquanto nos quadrinhos a ilusão é parcial (o que você vê são desenhos e não há som), exigindo do leitor um grau de cumplicidade maior, no cinema a ilusão é mais completa (principalmente no live-action), então você tem que ser mais convincente na criação da sua ilusão. O espectador quer ser surpreendido, enganado mesmo, voluntariamente, mas você não pode ofender sua inteligência porque ele quer acreditar no que está acontecendo na tela, nem que seja por alguns minutos (suspensão temporária da realidade - como citado por Syd Field).
Significa dizer que, mesmo havendo mais recursos no cinema, a vida do cineasta não é mais fácil que a do quadrinhista, uma vez que a sua ilusão deve ser mais “real”, há um compromisso ainda maior com a verossimilhança.
Segundo Jean-Claude Bernardet, professor, ator e roteirista, em seu livro O que é cinema, a linguagem do cinema desenvolve-se com o intuito de torná-lo apto a contar histórias. Os passos fundamentais para a elaboração dessa linguagem foram a criação de estruturas narrativas e a relação com o espaço. Esta estrutura narrativa criou-se aos poucos e, hoje, temos facilidade para entender estruturas complexas, mas, mesmo assim, quando um cineasta tenta experimentar, criar uma inovação, podemos confundir-nos e até mesmo não entender.
Adaptar: verbo intransitivo? Perguntou a então aluna Gabriela Lírio Gurgel, em sua tese de mestrado Lição de amor: a intransitividade de uma adaptação. Intransitivo, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é o que se diz do verbo cuja ação não transita do sujeito a nenhum objeto, é um verbo que não precisa de complemento, ou seja, ele se basta. Entretanto, o verbo adaptar é, na verdade, bitransitivo. É óbvio que há um trocadilho na pergunta com a obra que estuda: Lição de Amor, do diretor Eduardo Escorel, é uma adaptação da obra Amar, verbo intransitivo, do saudoso autor Mário de Andrade. Mesmo sabendo disso, a pergunta fez um estalo.

"Histórias em quadrinhos são a fantasmagórica fascinação daquelas pessoas de papel, paralisadas no tempo, marionetes sem cordões, imóveis, incapazes de serem transpostas para os filmes, cujo encanto está no ritmo e dinamismo. É um meio radicalmente diferente de agradar aos olhos, um modo único de expressão. O mundo dos quadrinhos pode, em sua generosidade, emprestar roteiros, personagens e histórias para o cinema, mas não seu inexprimível poder secreto de sugestão que reside na permanência e imobilidade de uma borboleta num alfinete". (Fellini, em Viagem a Tulum, 1991. Junto com Milo Manara)
Intransitivo, segundo Antonio Houaiss, também quer dizer aquilo que não se pode transmitir ou passar a outrem; intransmissível.
Adaptar, também segundo Antonio Houaiss, significa modificar (obra escrita) para torná-la mais de acordo com o público a que se destina ou para transformá-la em argumento ou roteiro de cinema, televisão, rádio etc.
Há uma enorme dificuldade em se adaptar a linguagem escrita à linguagem áudio-visual, daí a discussão sobre transitividade ou intransitividade, se adaptamos, se transpomos, se traduzimos ou se baseamos. É uma discussão antiga, estudada por diversos apaixonados pelas duas artes, pessoas como Sebastião Uchoa Leite, Jean Epstein, Jorge Furtado, entre outros.
O cineasta Jorge Furtado, em palestra na 10ª Jornada Nacional de Literatura, em Passo Fundo/RS, em 2003, lançou mão de argumentos interessantíssimos sobre o tema, um dos que mais chama a atenção é a observação que faz sobra a primeira frase do livro A Metamorfose de Kafka: Ao despertar após uma noite de sonhos agitados Gregor Samsa encontrou-se em sua própria cama transformado num inseto gigantesco. Segundo ele, esta frase disse tudo que é preciso saber para que a história comece. Cada um de nós, leitor, imaginou a sua própria cena, o escritor nos informa apenas aquilo que ele julga ser necessário, o leitor imagina todo o resto. Entretanto, os cineastas - e os roteiristas - precisam fazer grande parte do trabalho do leitor. Qual a cor do inseto? É uma cama de madeira ou de metal? Qual a cor das paredes do quarto? Como é a luz do quarto? Há uma janela? A luz entra pela janela? Através da persiana ou através das cortinas? Como é o piso desse quarto? É de madeira ou está coberto por um tapete? A cama tem lençóis? Há outros móveis no quarto?
Apesar de todas estas dificuldades, a relação da Literatura com o Cinema é antiga e está longe de encontrar um fim. É estatístico que a grande maioria dos filmes produzidos tem roteiros adaptados.
Os quadrinhos não têm uma história muito boa no cinema, até muito recentemente, as tentativas de levá-los às telas nunca foram muito bem sucedidas. Muitas delas foram criadas para a televisão e acabaram engavetadas ainda como pilotos.

Um personagem dos quadrinhos tem sua história contada, mensalmente, por anos e anos a fio. Batman, por exemplo, tem quase 70 anos de histórias. Não se adapta uma história, com começo, meio e fim, sobre um personagem de quadrinhos, mas um mito que levou anos construindo-se e que assim continua. Nestes tantos anos de histórias do cavaleiro das trevas, houve erros e acertos dos argumentistas, que, no afã de criar boas histórias, tomavam liberdades criativas que, em alguns casos, eram mal recebidas pelos fãs e, em outros, geraram contentamento. Deve-se levar em consideração toda a sua trajetória, não apenas um momento do personagem. Isso só vem ocorrer quando do lançamento do filme X-Men, em 2000, pelas mãos do diretor Bryan Singer, que fez um filme com vários personagens de importância, ao mesmo tempo fiel a todo o background dos quadrinhos, de onde sai a grande maioria dos chamados super-heróis, e acessível ao público leigo em gibis. O diretor Bryan Singer, o roteirista David Hayter e o produtor Tom deSanto souberam dosar todos os ingredientes e tirar proveito dos 38 anos de aventuras desses personagens, ou seja, mantiveram a essência do mito, que vem a ser aquilo que define cada um destes heróis, suas características, seus trejeitos, sua personalidade, sua maneira de falar, seu modo de agir. O personagem Wolverine, levado às telas por Bryan Singer, no mencionado X-Men, é um homem em busca de si mesmo, violento, cheio de gírias, agressivo e desconfiado, mas honrado, bom e leal, exatamente como nos quadrinhos. Mantendo-se a essência do mito, consegue-se o sucesso da adaptação. É o que tem havido com os novos filmes, como Spider-man, de Sam Raimi, levado às telas em 2002 e que é um sucesso incontestável. Os que resultam em fracasso são justamente aqueles que fogem disso, foi o que aconteceu com os recentes Catwoman e Elektra, que fizeram das personagens-título apenas sombras do que são nos quadrinhos.

"Estou sinceramente convencido de que a arte dos quadrinhos é uma forma de arte autônoma. Reflete sua época e a vida em geral com maior realismo, e, graças a sua natureza essencialmente criativa, e artisticamente mais válida do que a mera ilustração.
O ilustrador trabalha com máquina fotográfica e modelos; o artista dos quadrinhos começa com uma folhade papel em branco e inventa sozinho uma história inteira -- é escritor, diretor de cinema, editor e desenhista ao mesmo tempo". (Alex Raymond)
A questão da adaptação como algo complicado, intransmissível, fica explicada, no que tange a quadrinhos para o cinema, pela falta de fidelidade ao mito do personagem. Não dá para falar em Batman sem falar em sombriedade, em escuridão, afinal, ele é o Cavaleiro das Trevas e não o sorridente, colorido e homoerótico personagem criado por Joel Schumacher em Batman Forever e em Batman & Robin. Quando os cineastas começaram a adaptar os quadrinhos sendo fiéis à sua mitologia, começaram a transformar o verbo em bitransitivo.
A recente onda de produções baseadas em quadrinhos faz-nos pensar o que mudou para este tipo de filme ter-se tornado, de uma hora para outra, um enorme potencial. Robert Levine e Scott Alexander, em matéria publicada na revista Playboy do mês de abril de 2006, dizem que a partir de X-Men, de Bryan Singer, em 2000, Hollywood descobriu como adaptar quadrinhos para as telas. Cremos que Hollywood começou a perceber a importância de se respeitar o mito, de se adaptar o personagem sem desconsiderar toda a sua jornada.

Quadrinhos e Educação

Lembro quando meu pai deu-me o primeiro gibi. Era um almanaque de heróis da Marvel, uma das principais editoras americanas. Eu fiquei maravilhado com os desenhos e as aventuras de heróis que voavam, andavam pelas paredes, disparavam raios e ainda se preocupavam com a vida que levavam quando assumiam suas identidades secretas. Mas meu pai só comprava as revistas que ele gostava e eu – ah! – eu queria mais. Comecei a guardar o dinheiro da merenda para comprar os outros gibis que meu velho não trazia. Foi assim que comecei a escalar a montanha sem fim da minha história de leituras, primeiro nos quadrinhos, depois nos livros.

Em minha relação com os quadrinhos, encontrei extremos nas tentativas de defini-los. O que para uns é “uma das maneiras mais saudáveis de escapismo”, para outros “não passa de um gibi imbecilizante”. Entretanto, para mim, os quadrinhos, representam o começo de minha história de leitura, o meio pelo qual as portas do mundo literário se abriram e nunca mais se fecharam. Eles são, de certa forma, aquilo que me instigou a ler cada vez mais e melhor. Mais, porque as referências usadas atiçam minha curiosidade de leitor, fazendo-me buscar informações complementares em outros tipos de leitura, sejam técnicas, por causa das idéias científicas usadas, sejam literárias, por causa das citações feitas, ou seja, por causa da intertextualidade. Melhor, porque ajudam a desenvolver o vocabulário, a aprender a diferençar os registros da língua, através de personagens de meios diferentes, com personalidades diferentes, mas que interagem, entre outros benefícios.

Escutei muitas críticas e piadas por ler meus gibis, ainda há muita gente que crê que os quadrinhos são uma arte sem mérito, um tipo de leitura fácil e preguiçosa. Mas creio que, finalmente, estas pessoas estão perdendo terreno. Pesquisas comprovam que alunos que lêem quadrinhos têm melhor rendimento escolar que aqueles que usam apenas o livro didático. Em alguns casos, o benefício obtido com a nona arte, a arte seqüencial dos quadrinhos, é maior que o existente quando há contato dos estudantes somente com livros ou revistas, o gibi chega a quase dobrar a performance do aluno. Quando li sobre isso, eu me vi entre estes alunos, não que eu tenha tornado-me um aluno brilhante, mas com certeza comecei a olhar os livros com outros olhos.

A verdade é que o conhecimento humano é transmitido pela linguagem, e esta pode ser verbal ou não-verbal. A linguagem figurada foi o processo pelo qual o homem começou a se comunicar, representando suas idéias por meio de desenhos. A linguagem verbal, a que tem na palavra falada ou escrita o seu código, veio para tornar as comunicações mais precisas, mas, de maneira alguma, veio para tomar o lugar da linguagem não-verbal.

Os quadrinhos fazem uso da união destas duas linguagens, que se complementam, numa dupla articulação. A história em quadrinhos é narrada por meio de dois canais, visual e lingüístico, e é fascinante, pois sua linguagem tem um potencial enorme, que alia as vantagens das palavras à beleza das imagens. Esta linguagem, que poderíamos chamar verbal figurada ou verbo-visual, é rica, cheia de características, detalhes e recursos, que, se bem aproveitados, podem gerar aulas tão fantásticas quanto o Quarteto Fantástico, desempenhos tão espetaculares quanto o Homem-Aranha e aproveitamentos tão incríveis quanto o Hulk. Podemos explorar os elementos da linguagem, a maneira como interagem, os registros da língua, noções de gramática, a narrativa, a criação dos alunos, enfim, uma gama enorme de possibilidades, que só tem a nós mesmos como limite.

Nosso país ainda vive uma situação caótica em termos de educação, há muitas crianças fora da escola e as que estão na escola, com a maldição da aprovação automática, na sua maioria terminam o ensino fundamental sem saber ler e escrever direito. A leitura dos livros é encarada como uma guerra, pois estes são considerados inimigos até pelos pais dos alunos. Entretanto, o gibi é apreciado com simpatia, quase aluno nenhum o dispensa, quer seja ele um da Turma da Mônica, do Menino Maluquinho, da Disney, de super-heróis da Marvel, DC ou Image, de cowboys ou dos mangás japoneses. Os quadrinhos são sempre bem aceitos e propiciam prazer durante a aprendizagem. Esse potencial não pode e nem deve passar despercebido pelos professores, que devem fazer uso da incomensurável capacidade da linguagem verbo-visual, uma vez que esta une o útil ao agradável.

Para se ter uma idéia do que a arte quadrinhística pode oferecer, basta estudarmos um único elemento dela: a sarjeta, também conhecida como corte gráfico, que vem a ser o espaço entre um quadrinho e outro. Em um primeiro momento podemos pensar que não há nada ali, que é apenas um espaço vazio, mas isto é um ledo engano. Este pequeno espaço exige do leitor participação, experiência e imaginação enormes, pois é aqui que sua mente deve trabalhar para criar uma ponte entre um quadro e outro, uma vez que nada é visto entre os dois quadros, mas algo está lá, algo que faça a ligação. Esta ponte, este elo que desenvolve o raciocínio, que exercita o pensar é o que chamamos conclusão. A sarjeta é essencial para os quadrinhos, pois demarca seu espaço narracional, por meio da participação e da conclusão do leitor. É possível haver histórias em quadrinhos sem balões, mas nunca sem cortes.

A linguagem dos quadrinhos, por sua condição de linguagem verbo-visual, tem como limite apenas a imaginação dos seus usuários, os autores e os leitores. Não há limites de gênero e forma. Aqui reside a beleza dos quadrinhos, numa linguagem que não tem limites, que está em constante evolução, e que, se for totalmente dominada, pode criar maravilhas sem fim.