O psicoterapeuta disse que sou hiperativo. A criação deste blog surgiu pouco depois de ser assim diagnosticado. Segundo o site especialista Hiperatividade (que já existia antes do meu blog, mas eu não sabia!), os portadores deste distúrbio são freqüentemente rotulados de "problemáticos", "desmotivados", "avoados", "malcriados", "indisciplinados", "irresponsáveis" ou, até mesmo, "pouco inteligentes". Mas garante que "criativo, trabalhador, energético, caloroso, inventivo, leal, sensível, confiante, divertido, observador, prático" são adjetivos que descrevem muito melhor essas pessoas. Eu, particularmente, creio que sou uma mistura disso tudo aí. Cheio de muitas idéias, muitos sonhos e muitos projetos. Muita vontade e muito trabalho. Muitas vertentes e muitas atividades. Sou editor-adjunto do Crônicas Cariocas. Não deixem de visitar minhas colunas: Cinematógrafo; Crônicas; Poesias; e HQs. Ah! Visitem o Magia Rubro Negra , site de apaixonados pelo Mengão, para o qual tive o prazer de ser convidado a fazer parte da especial equipe!!!

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Desperança



Arte: Francci Lunguinho
Ele estava deitado em sua cama lendo um livro quando, sem aparente motivo algum, sentiu uma profunda angústia. É certo que sua vida financeira não andava bem das pernas e que o trabalho, além de estressante, não lhe aprazia. Porém, nunca fora de reclamar dessa situação e muito menos de se compadecer dela. Não era afeito a autopiedade. De qualquer forma, o sentimento veio com força e a vontade era de chorar copiosamente.
Começou a pensar nos motivos de se sentir assim e sua mente começou a visitar, de maneira desordenada, vários momentos de sua vida. Mulheres que magoou e descartou ao longo do caminho; amigos que por um motivo ou por outro decepcionou; as coisas ruins que disse em momentos de descontrole àqueles que amava e ainda ama, mas acabou afastando-se por orgulho ou vergonha; as escolhas que fez e que se mostraram equivocadas, levando-o para longe de seus sonhos; os conselhos solenemente ignorados e que se provaram sábios; e mais.
Concluiu que a angústia originava-se de arrependimentos, de culpas e da sensação de tempo perdido. Como se sempre tivesse escolhido errado e que houvesse desperdiçado todas as chances que teve de se realizar e de ser feliz. Uma dor começou a martelar sua cabeça e decidiu caminhar pela casa. Olhou para seus livros, seus CDs, seus DVDs, suas traquitanas eletrônicas que tanto gostava, suas coleções de carrinhos, motos e bonecos, o lar que resumia a sua vida. Não conseguiu enxergar sentido em nada daquilo.
Pegou um cigarro e foi para a varanda. Nunca fumava dentro de casa, pois não gostava do cheiro que o seu vício deixava. Enquanto tragava e soltava a fumaça, olhava para a rua, para o céu estrelado, para a lua brilhante e se sentiu pequeno como nunca antes. Quase quatro décadas nesta terra e não sobrava uma coisa qualquer que se aproveitasse de sua vida. Nada para ser lembrado. Nenhum feito que merecesse registro e posteridade. Sentiu-se um inútil, um fracassado, um embuste.
Aos poucos, a angústia começou a dar lugar à revolta. Começou a culpar os outros pelos seus erros, pelas suas escolhas e pelas suas frustrações. O examinador que não lhe deu nota suficiente, o irmão que não lhe emprestou o dinheiro que precisava, o amigo que lhe virou as costas por causa de uma mulher, a namorada que o largou por causa das outras, até mesmo os pais que não lhe deram uma posição social melhor. Eram pensamentos tolos e logo os descartou para abraçar a culpa que veio ainda mais forte.
Ele voltou para dentro de casa, foi até a estante e pegou uma das garrafas de uísque que nunca bebia, pegou um copo e o encheu. Colocou a garrafa e o copo sobre a mesa. Foi até seu quarto, pegou o estojo em que guardava sua Beretta 9mm, sua arma dos tempos de oficial do Exército. Forrou a mesa com um pano e pegou o material de limpeza. Entre um gole e outro de bebida, desmontou a pistola com extrema facilidade, quase que mecanicamente.
Peças sobre o pano dispostas da mesma maneira que aprendeu quando do serviço militar. Encheu o copo de novo e começou a limpar as peças. Era quase uma terapia que o ajudava a pensar melhor. Enquanto remontava a arma, chegou a uma solução. Poderia não ser a melhor, mas era a única que fazia sentido. Seu pertence favorito estava montado, carregado e reluzente.
Levantou, encheu o copo de novo e o levou, junto com o maço de cigarros e a pistola, para a varanda. Acendeu o cigarro e o fumou lentamente, bebericando a bebida envelhecida e destilada de grãos. Não sentia prazer algum nisso. Jogou a guimba na rua e depositou o copo e o maço no beiral. Ato contínuo, pegou a arma, encostou na têmpora direita e disparou.
O corpo jogado no chão da varanda vazava uma grande quantidade de sangue e, com ele, em seu vermelho escuro, todos os sonhos, toda a angústia, todas as frustrações, toda a culpa, todas as escolhas, todos os erros, todos os fracassos, toda a revolta, todos os pensamentos tolos e cada um dos anos das suas quase quatro décadas de vida.
Há algo mais efêmero?

3 comentários:

Francci disse...

Parceiro, gostei muito deste texto. Ser hiperativo é ter um lado mohaupt da vida.
***ME SEGUE NO TWITTER: @cronicaScarioca

FaBiaNa GuaRaNHo disse...

Agora descobri que na família tem alguem de bom gosto, parabéns a o seu pai que é vascaíno, diga pra ele que no Scrubb, fiz o upload de uma raridade do Vasco (50 anos de glórias do C.R.Vasco da Gama), ele vai gostar.Bjão

Deinha disse...

Muito boa a crônica, me identifiquei bastante, fiquei com vontade te ter uma beretta tb. O texto é bem direto ao ponto. Parabéns, texto perfeito.